Monday, January 08, 2007

Nelson Townes

Se protege, meu filho

É a frase mais importante do ano que finda e um aviso para o Ano Novo de 2007: “Se protege, meu filho”. As últimas palavras de Sueli Maria Lima de Souza, de 33 anos, morrendo enquanto servia de escudo ao filho Gabriel, de 6, dos tiros que bandidos disparavam na rua..
Nenhum dos discursos feitos pelas centenas de milhares de políticos eleitos ou reeleitos no Brasil todo, em 2006, consegue ser mais importante do que essa frase. Sueli resumiu todo o nosso medo, tudo o que dizemos, diariamente, aos nossos filhos, de Norte a Sul do País.
O altar em que se transforma o local onde Sueli foi imolada para proteger o Gabriel é uma cabine da PM na praia de Botafogo, metralhada por bandidos na madrugada de quinta-feira. A mulher era camelô, estava trabalhando e a criança, sem lugar mais seguro para ficar, dormia ao lado da mãe que trabalhava. Tudo isso é emblemático.
A tragédia mostra a um tempo só as alturas e as profundezas a que pode chegar a criatura humana. Mostra o fracasso da sociedade em que vivemos. E nos diz que se somos vítimas, também somos culpados pela existência dos bandidos.
A pessoa que é cruel a ponto de disparar a esmo uma metralhadora – e atingir pelas costas uma mulher que protegia uma criança – é da mesma espécie heróica e bondosa que intercepta as balas com o corpo para salvar o filho.
O local onde a mãe e seu filho se encontravam deveria ser o mais seguro, um posto da PM, mas é vulnerável exatamente por ser da Polícia Militar.
Não importa os motivos dos distúrbios no Rio. Os criminosos se multiplicam porque somos incapazes de eleger legisladores que tenham coragem para extinguir – a palavra é extinguir – o aparelho jurídico policial incapaz de punir e ressocializar os delinqüentes.
Pior. Sequer reconhecemos que se existem maus políticos é porque somos um mau povo – já que os políticos são nosso espelho, como lembrou recentemente o jornalista Paulo Queiroz, citando a jornalista Eliane Cantanhede (O Estado de S. Paulo).
Em vez de desdenhar dos parlamentos, do Poder Legislativo de onde vem nossa força, dignidade, justiça e segurança, devemos dizer “se proteja, meu filho” – mas, não apenas das balas dos bandidos, e sim da preguiça cívica, da omissão diante do Estado burro, perdulário e ineficaz.
“Se proteja, meu filho” – do Estado que tem Três Poderes, e é incapaz de educar os cidadãos e ressocializar os criminosos, e dizer que para conter essa violência é preciso mais violência e mais cadeias..
Precisamos mudar nossa índole que faz o mundo nos ver como o país dos feriados, dos encantos naturais, da boa música, das festas e do pouco interesse no desenvolvimento tecnológico.
A alternativa é considerar o Brasil um país falido, matando crianças e mulheres numa guerra civil que um dia ainda atrairá a intervenção estrangeira.
“Se proteja, meu filho” – nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam não, como diz o Belchior..
Se proteja para não ter a dor de perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Em nove de janeiro deste ano Nelsinho prestou-me o seguinte depoimento: "Ao menos metade da minha vida profissional está no inesquecível Notícias Populares. Um jornal que valia por todas as escolas de jornalismo que foram criadas. Um repórter do NP encarava qualquer pauta e trazia as histórias que o povo queria ler e entender. Creio que muitos dos grandes nomes da imprensa paulistana estiveram sob o comando do poeta e jornalista Ebrahim Ramadan, o editor-chefe antes de serem seduzidos pelos salários e o "glamour" dos jornais mais aristocráticos. Lembra-se do Ebrahim? Ele punha a imagem de um palhaço na sua porta. E o Proença, o sempre paciente, cavalheiresco, mas impiedoso secretário de Redação que mandava refazer páginas e matérias até estivessem próximas da perfeição (pois a perfeição não existe). E na hora de se escolher a manchete do jornal? Cada editoria mandava uma série de sugestões sobre seus próprios assuntos. E a redação escolhia, por votação, o título que valia como manchete. A votação começava pelos contínuos, por serem, de todos nós, os mais próximos do povo. Lembro-me do início da noite,da hora de escolher as manchete, em que um contínuo de 16 anos, o Bozó, disse não ter entendido o título que dizia terem os deputados se desentendido e acabado com o decoro parlamentar na Assembléia Legislativa. O Proença explicou ao Bozó que o título significava que os deputados haviam brigado e se agredido na Assembléia. O magnífico Bozó, com sua negritude reluzindo sob as centenas de lâmpadas fluorescentes da redação, retrucou: "Quer dizer que QUEBROU O PAU NA CASA DA NOCA?" O editor-chefe Ebrahim Ramadan deu um salto: "É essa a manchete!" Ebrahim era e sempre continuará sendo um gênio do jornalismo. Era esse o NP que as madames quatrocentonas mandavam as empregadas comprar, e o trouxessem escondido dentro de "O Estado de S. Paulo."

5:01 AM  

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