O jornalismo narrativo vs. Internet em tempo real
Por Nelson Townes
Contribuição para o debate sobre “A Comunicação em Rondônia” realizado pela Escola do Legislativo da Assembléia Legislativa de Rondônia em 08-05-06, segunda-feira, sobre a Comunicação em Rondônia.
Com a invenção da Internet, mais uma vez ouve-se falar no fim do jornalismo, principalmente do jornalismo impresso, dos jornais diários. Falou-se disso quando foi inventado o rádio. O rádio se popularizou e os jornais continuaram vivos e cada vez melhores.
Veio a televisão. E falaram que a TV mataria o rádio e os jornais. O rádio e os jornais não apenas continuam vivos, como melhoraram.
Nasceu a Internet, a notícia em tempo real literalmente na “palm top” da mão, no telefone celular. E novamente ouve-se falar: os jornais impressos acabaram!
No entanto, se jornais morrem na Era da Internet é porque não estão aproveitando corretamente a oportunidade de revitalização que a invenção da nova mídia oferece.
É preciso começar pelo bê-a-bá e entender que jornais impressos, rádio, TV/cinema e Internet são linguagens diferentes de comunicação e que se completam.
A popularização da Internet é positiva para o jornalismo impresso, da mesma forma que o rádio e a TV.
Tenho 37 anos de carreira e se alguma coisa aprendi ao longo desse tempo foi que, quanto mais rápida é a mídia eletrônica na divulgação de um fato – rádio, TV, “site” da Internet – mais “narrativa” deve ser a mídia impressa.
O professor Mark Kramer, de Harvard, resume isso dizendo que: “As pessoas que ouvem fatos pelo rádio, TV e dispensam jornais que repetem os fatos, com 24 horas de atraso.”
A exceção da “equação” de Kramer são as rádios de Rondônia cujos noticiosos são cópia dos jornais matutinos. O rádio em Rondônia ainda não entrou na era do tempo real – com raras exceções. Mas, esta é uma questão a ser discutida em outra hora.
Nesta reunião, é preciso entender que não cabe à mídia impressa noticiar em tempo real. Isso é função da Internet (e rádio e TV on line).
É preciso entender, também, que não cabe à Internet (e rádio e TV on line) o detalhe, o pormenor, a notícia aprofundada, interpretada.
A Internet e a mídia eletrônica dão a notícia urgente, mas não têm tempo, nem ESPAÇO para os detalhes. Essa é a função dos jornais que amanhecerão no dia seguinte nas bancas.
A fórmula do novo jornalismo é: matérias curtas na Internet; matérias especiais, aprofundadas, detalhadas, extensas, nos jornais e revistas.
Não se trata de competir com a Internet, mas de os jornais entenderem que não podem concorrer com o tempo real (porque não lhes pertence) e que devem abraçar uma forma "narrativa" de jornalismo.
Prestem atenção no que ensina Kramer. Os fatos são importantes. São a base, o solo, onde lançamos os alicerces da nossa inteligência. Mas os leitores querem mais do que fatos: querem o confronto de um ser humano com eles.
Os leitores querem o relato --literário, sim; pessoal, sim-- dessa realidade primordial. Os leitores querem histórias, no sentido mais nobre do termo. Os leitores querem contadores de histórias. E a idéia de "jornalismo narrativo" não começou hoje, como mostra John Hartsock, em “History of American Literary Journalism.”
O jornalismo narrativo nasceu nas últimas décadas do século 19, no período pós-Guerra Civil, nos Estados Unidos.Os estudantes e os profissionais do jornalismo da Era da Internet precisam ler e aprender com Stephen Crane que escrevia sobre os mortos na Guerra Hispano-Americana perguntando: o que são nomes e números quando a morte destes homens transcende nomes e números?
Quem são estes soldados que todos os dias tombam na batalha? Quais são as suas famílias? Em que terras viveram? Em que casas? Não será possível dar rosto a esta gente e salvá-la do esquecimento numérico e burocrático?Foi possível, comenta o jornalista João Pereira Coutinho, num artigo publicado em “O Expresso”, de Lisboa.
“Um gênero estava criado”, diz Coutinho. Contra o positivismo alegadamente científico, que reduzia a realidade social à linguagem do laboratório, uma reação humana, demasiado humana.
E uma corrente "literária" que acabaria por dominar o jornalismo americano ao longo do século 20 e em momentos dramáticos da sua história. Como na Grande Depressão de 1930 e 1940.
Uma vez mais, era preciso transcender análises econômicas e gráficos acadêmicos. Era preciso relatar os dramas rurais (e reais) do Alabama, como James Agee fez em "Let Us Now Praise Famous Men". Sem esquecer a prosa de Edmund Wilson, Ernest Hemingway e toda a geração da "New Yorker", surgida pouco antes. O jornalismo narrativo não começou com Tom Wolfe ou Truman Capote que se limitaram a receber um riquíssimo patrimônio para enfrentar os dramas do tempo: a contra-cultura, o Vietnã. A morte de John F. Kennedy, que arrasou uma nação. E a luta pelos direitos civis.
Como sempre, o jornalismo abraçava formas narrativas como forma de responder aos dramas presentes. Dramas que transcendiam o jornalismo burocrático presente.E hoje? Novamente uso as palavras de João Pereira Coutinho: Hoje vivemos na ressaca de um sonho que durou entre duas quedas: a queda do Muro de Berlim, em 1989; e a queda de duas torres gêmeas, em 2001.
Esse tempo arcádico está acabado. Mas a crise atual não é apenas uma crise alimentada pela instabilidade terrorista que paira sobre as sociedades ocidentais.
É também uma crise do próprio jornalismo. Da possibilidade do jornalismo ser algo mais do que repetição senil de fatos, lançados por agências noticiosas e repetidos por jornalistas preguiçosos que, na maioria dos casos, escrevem sobre Washington ou Jerusalém sem nunca terem visto um amanhecer no Capitólio ou um crepúsculo na Cidade Antiga.Partilho da opinião de João Pereira Coutinho quando ele diz que a sobrevivência do jornalismo no mundo moderno passa pelo fim do jornalismo antigo.
Passa, até, por um antijornalismo, capaz de enterrar essa "objetividade" que se confunde com uma lista de supermercado.
“Eu não quero apenas fatos. Eu não quero a mera repetição de fatos que ouvi na noite anterior, disparados por uma boneca articulada no noticiário das oito. “Eu quero saber o que existe por dentro dos fatos. Uma guerra, uma vitória? “Eu quero saber quem são os derrotados, quem são os vitoriosos. Eu quero saber o que sentem os derrotados, o que sentem os vitoriosos. Como se portam e comportam.
“Eu quero ação e contradição. Palco. Iluminação. Eu quero ouvir. Eu quero ouvir gente a falar. Eu quero uma voz humana que, como Dante, seja capaz de descer às profundezas da nossa vida. E que regresse, ainda, para contar.”
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