PORTO VELHO, 29-04-06, sábado, Nelson Townes - O arcebispo de Porto Velho, dom Moacir Grechi, não apenas quer "multa e cadeia" contra quem desrespeitar "os valores religiosos das pessoas", mas pede agora aos católicos que "boicotem" e "não comprem" os produtos anunciados pelos meios de comunicação que divulgam "mentiras e calúnias" contra a igreja.
O líder espiritual de cerca de um milhão de católicos espalhados pelas 37 dioceses do Estado de Rondônia refere-se principalmente ao livro do escritor norte-americano Dan Brown, "O Código Da Vinci" - já transformado em super produção cinematográfica de Hollywood - e ao suposto Evangelho de Judas Iscariotes que está sendo decifrado e divulgado pela emissora de TV a cabo "National Geographic."
Dom Moacir nega que esteja pregando censura à mídia ou à produção intelectual ou científica. "Deus nos livre e guarde da censura" - disse, numa entrevista na semana passada ao repórter. "O que pretendo é que os valores religiosos das pessoas sejam tratados com respeito e com argumentos sérios."
O que mais deixa revoltado - ele usa a palavra "amargurado"- o arcebispo de Porto Velho é o sucesso planetário do livro "O Código da Vinci", que desde sua publicação na primavera de 2003, nos Estados Unidos, já vendeu 40 milhões de exemplares, contendo "ficção, calúnias e mentiras apresentadas como verdades históricas.".
Dom Moacir preocupa-se agora com o filme baseado na obra, que deverá ser assistido, segundo previsão da revista "Newsweek", por 800 milhões de pessoas no mundo. A igreja católica sabe que será o "grande evento cinematográfico" de 2006 e provável candidato aos prêmios Oscar.
Dirigido por Ron Howard e tendo no elenco atores como Tom Hanks, Jean Reno, Audrey Tautou, Alfred Molina, Ian McKellen e outros, o filme baseado no livro amaldiçoado pela igreja será apresentado em Cannes no próximo dia 17 de maio, quarta-feira, e na sexta-feira, dia 19, estreará simultâneamente em cinemas do mundo inteiro.
Os críticos e os intelectuaais de um modo geral - até mesmo os não cristãos ou que não gostam do catolicismo - não dão grande importância ao livro. De um modo geral, crentes ou ateus esclarecidos concordam que "O Código Da Vinci" é apenas um "Harry Porter para adultos" que ninguém deve levar a sério.
Críticos e analistas, religiosos ou não, dizem que os que têm fé, vêem em "O Código Da Vinci" apenas um livro "divertido", "trepidante", "escrito de uma forma objetiva e dinâmica como um bom texto jornalístico", e tão parecido com o roteiro de um filme policial-sobrenatural que acabou virando um.
Mas, o arcebispo de Porto Velho teme que o livro e o filme atinjam massas populares "que têm pouca formação e carecem de recursos críticos para distinguir o que é ficção e o que é realidade."
Dom Moacir diz que o momento é o de a igreja falar mais de Jesus Cirsto e da própria igreja, para atender a curiosidade das pessoas "até agora indiferentes" de "saber mais acerca da fé", "satisfazendo seu interesse com uma evangelização atrativa."
Para observadores não religiosos, o problema principal da igreja parece ser o de não acreditar que seus rebanhos sejam crédulos o bastante para não terem a fé abalada pela imaginação do escritor Dan Brown. Afinal, ele escreveu sobre um cristianismo onde os princípios masculino e feminino estão mais equilibrados - de acordo com os anseios, até inconscientes, das massas da civilização do Terceiro Milênio.
O livro "O Código Da Vinci" diz que a Igreja Católica teria suprimido 80 evangelhos primitivos por motivos políticos. Esses textos trariam grandes revelações. Entre elas, a de que Jesus era um homem comum, que casou e teve vários filhos com Maria Madalena. Sua descendência é o verdadeiro Santo Graal (sangue de rei = santo real = Santo Gral).
A história de Dan Brown começa com uma comissão de cardeais pressionando o prelado do Opus Dei (uma instituição do Vaticano) para que um de seus membros, um assassino profissional, mate os últimos descendentes vivos de Jesus.
O livro diz também que Jesus não teria sido o líder ensinado pelos catequistas. Esse papel seria cumprido por sua esposa, Maria Madalena, que comandou os apóstolos que celebravam, na verdade e por sua vez, a sabedoria e a sexualidade.
Mais: Jesus não dizia ser Deus nem seus discípulos o consideravam divino. A crença na divindade de Jesus foi imposta pelo imperador Constantino no Concílio de Nicéia, no ano de 325.
O livro diz que Jesus e Maria Madalena representavam a dualidade feminina. Os primeiros seguidores de Cristo adoravam o "sagrado feminino", mas isso foi logo eliminado e a igreja se fez misógina.
Invejosos do prestígio de Maria Madalena junto a Jesus, os apóstolos tramaram contra ela e Madalena teve que fugir para a França. Ela e seus filhos passaram a ser protegidos por uma organização clandestina, o "Priorato de Sião", que até hoje protege os descendentes de Cristo dos ataques da Igreja Católica e transmite seus segredos em códigos ocultos.
Um desses códigos - que Dan Brown usou como título de seu livro - é o quadro da "Última Ceia", pintado por Leonardo Da Vinci. Na pintura, a figura junto a Cristo não é o apóstolo João, mas Maria Madalena.
Mais: o livro diz que a igreja baseia-se sobre uma grande mentira e que Cristo era um homem normal e comum e para ocultar a verdade a igreja destruiu documentos, assassinou milhões de pessoas como bruxas ou hereges e manipulou as Escrituras.
É por isso que a novela, contrariando tudo o que a Bíblia ensina, irritou a Igreja Católica (e as demais denominações cristãs) e causou polêmica em todo o globo. E quando mais polêmica era levantada, mais exemplares do livro de Dan Brown eram vendidos e ele ficava cada vez mais rico.
O Episcopado Mexicano, reunido em 31 de março passado para analisar a obra do escritor, a define como uma obra de ficção com "dois problemas": primeiro, "todos os personagens da igreja são tratados de maneira odiosa".
Segundo: "Todas as descrições de obras de arte, arquitetura, documentos e ritos secretos são apresentados como verdadeiros pelo autor, mas o livro contém numerosíssimos erros de arte, de história, de religião e de cultura."
De fato, essa é uma falha grave de Dan Brown. Seu livro tem tanta história sobre a igreja católica ou o cristianismo quanto o livro de Márcio Souza, "Mad Maria", e a mini-série homônima da Rede Globo de Televisão tem de história verdadeira da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Uma das críticas lierárias mais frequentes sobre Dan Brown é a de que ele se aproveita da aura de mistério de várias obras de arte e fatos históricos e se aproria deles para conferir esta mesma aura ao seu livro.
Na verdade, o Priorado de Sião é uma fantasia criada por Pierre Plantard na década de 50; os documentos sobre a descendência de Jesus foram forjados por Plantard; o apóstolo João sempre foi retratado como uma figura feminina; os Cavaleiros Templários não eram pagãos e nem se dedicavam a cerimoniais de fertilidade.
Newton, Da Vinci e outros gênios da Renascença e da Idade Moderna eram alquimistas, alguns foram maçons, mas não há sinais de terem feito parte de uma sociedade secreta; Yin e Yang não tem nada a ver com paganismo.
Outra crítica sobre Dan Brown é sobre sua tentativa de dar ao Cristianismo uma dualidade masculina-feminina (Jesus e Maria Madalena), como Marte e Atena, ou Ísis e Osíris. Este é um caráter que não pode ser atribuído ao Cristianismo, ainda que venha se alterando lentamente ao longo dos séculos e talvez venha a abraçar novamente o princípio feminino em um futuro distante.
Afinal, como até os críticos não religiosos ou leigos observam, o Cristianismo é a religião do Deus Pai, ela surgiu do seio do judaismo que também era uma religião patriarcal. "Quem deseja uma religião que valorize mais o princípio feminino e não veja pecado nos aspectos terrenos deve procurar uma religião como a Wicca."
Para o crítico literário Roney Belhassof, melhor do que "O Código da Vinci" e "Deuses Americanos" de Neil Gaiman que prega a negação do misticismo e, "com a habilidade de um caçador de sonhos", "consegue impregná-la de magia e mistério.
Ou, para quem procura "uma visão audaciosa, criativa, instigante e verossímil que faça frente às crenças cristãs", a saga de Lyra Belaqua na trilogia "Fronteiras do Universo."
Outros críticos como Elisa Marconi e Francisco Bicudo, de São Paulo, dizem que "O Código da Vinci" não precisa de censura (muito menos o filme baseado no livro). "É uma ficção e deve ser lido (ou visto) assim."
O professor de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo(PUC-SP), Fernando Altenmeyer, diz, por sua vez que "o Jesus que aparece no livro nada tem a ver com a figura histórica de Jesus Cristo".
"O autor batizou o personagem dele com o mesmo nome claramente para gerar polêmica, simplesmente porque a discussão ajuda a vender os livros."
Ele reconhece que o livro tem coisas verdadeiras, "mas pula acontecimentos, mistura as coisas", como, por exemplo, a eliminação de livros da Bíblica. "A Igreja achou por bem selecionar os escritos. Seria impossível fazer uma Bíblia com 5 mil escritos."
Este artigo prossegue nas próximas edições sobre a polêmica acerca do suposto Evangelho de Judas Iscariotes, o traidor de Jesus.
Dom Moacir disse ao repórter que Iscariotes não é o herói que o pergaminho que está sendo atualmente traduzido na Suiça indica ser. Mas não é também o apóstolo maldito.
O arcebispo diz, que ao contrário do que também aprendemos desde crianças, o homem que traiu Jesus não está no Inferno. Dom Moacir diz que Judas foi perdoado da mesma forma que Pedro, o apóstolo que renegou Jesus três vezes.
Saturday, April 29, 2006
Arcebispo quer boicote contra mídia herege
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